Desde o último sábado (7), noticiários de todo o mundo colocam em destaque os conflitos entre Israel e Hamas. O ponto de partida para a retomada dessa cobertura mais extensa foi o ataque do grupo islâmico Hamas contra comunidades israelenses próximas à Faixa de Gaza. São acontecimentos mais recentes de uma história complexa que remete a décadas ou a séculos, a depender da escolha interpretativa. Para alguns especialistas, no entanto, o assunto tem sido abordado de forma simplista e desequilibrada pela mídia tradicional.
Ausência de contextualização histórica, escolhas restritas de fontes e temas, atribuição de adjetivos maniqueístas para caracterizar os dois lados: diferentes elementos estariam favorecendo uma visão pró-Israel e tornando quase invisível os problemas enfrentados pelos palestinos. É dessa forma que o geógrafo e pesquisador de discursos midiáticos, Francisco Fernandes Ladeira, analisa a atual cobertura jornalística do conflito.
“É uma cobertura que não tem o contraditório, se volta apenas para um lado. São usados atalhos cognitivos que, primeiro, tentam simplificar para o cidadão comum um conflito que é muito complexo. Exemplo é criar uma batalha entre o bem, que seria Israel, e o mal, que seria a Palestina. Também se procura tirar a historicidade do conflito, que remete a séculos, e focar em acontecimentos imediatos. Assim, é noticiado apenas o ataque do Hamas a Israel”, defende Ladeira.
“Há jogos de palavras e armadilhas semânticas que mexem com as emoções. Quando você vai falar das perdas em Gaza, são perdas materiais, ataques às instalações militares. Em Israel, são enfatizadas as perdas humanas e os dramas familiares, os ataques contra a população civil”, complementa o pesquisador.
O professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Bruno Huberman, argumenta que existe uma indignação seletiva no debate público, que negligencia o lado palestino. Em publicação na rede social X (ex-twitter), ele diz que o “apartheid israelense” provoca a morte de palestinos todos os dias, sem que repercussão e comoção sejam as mesmas.
“É injustificável a morte de centenas de israelenses, assim como é a dos palestinos. Mas o grau de normalização da barbárie em Gaza pode ser visto nessa rave organizada na fronteira com Gaza. Como um festival que prega paz e amor é realizado na fronteira com duas milhões de pessoas sofrendo dia a dia? Essa é a alienação que israelenses, brasileiros e ocidentais têm em relação ao que se passa com os palestinos. A barbárie contra os palestinos não sensibiliza, são mortos sem nome, sem rosto, diferente dos israelenses”, disse Huberman.
Discordância
A pesquisadora Karina Stange Caladrin, vinculada ao Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) e ao Instituto Brasil-Israel, discorda que haja uma abordagem pró-Israel nos noticiários. Para ela, especialistas de diferentes visões têm sido chamados para comentar os conflitos, o que torna a cobertura mais completa e diversa. O ataque do Hamas no último sábado ter sido tratado de forma mais “emocional” e negativa em diferentes veículos, seria o esperado, por envolver civis mortos. Justificar os ataques é que seria condenável.
“Qualquer pessoa que defenda a morte de civis, palestino ou israelense, não está representando nada. A ideia de dar voz aos dois lados acaba colocando pessoas para falar que defendem mortes de civis, palestinos ou israelenses. E isso eu considero inadmissível. Isso não deveria ter espaço na mídia”, defende Caladrin.
Situação em Gaza
Informações sobre a situação precária da população palestina na Faixa de Gaza têm chegado com mais detalhes por meio de organizações que atuam no local. É o caso da Médico Sem Fronteiras (MSF), que denuncia uma piora das condições de vida no território depois dos bombardeios recentes. No relato de um dos coordenadores da MSF na Palestina, Léo Cans, instalações e equipamentos médicos foram destruídos pelas ações israelenses, milhares de pessoas perderam moradias e estão sem acesso aos serviços primários.
“A intensidade da violência e dos bombardeios é chocante, assim como o número de mortos. A declaração de guerra não deve, em hipótese alguma, levar à punição coletiva da população de Gaza. Cortar o fornecimento de água, eletricidade e combustível é inaceitável, pois pune toda a população e a priva de suas necessidades básicas”, disse, em nota, Léo Cans.
As condições socioeconômicas na Faixa de Gaza, segundo o cientista político e professor de Relações Internacionais Maurício Santoro, transformam a região em “um grande celeiro para organizações extremistas e movimentos violentos”.
“Essa é a quinta grande intervenção militar de Israel em Gaza desde 2008. É um número bem alto. A região é cercada por muros e grades, tem fronteiras muito controladas. O espaço marítimo também é cerceado em termos de patrulhamento de Israel. Por isso, que se usa a expressão que Gaza é uma ‘prisão a céu aberto’. É uma área muito pobre, com um nível de vulnerabilidade socioeconômica gigantesca. E nas circunstâncias atuais é inviável do ponto de vista econômico e social. Não tem realmente como ter ali o estabelecimento de um comércio internacional e de investimentos”, disse Santoro.
A Faixa de Gaza tem aproximadamente 2,3 milhões de pessoas. Pelo tamanho pequeno do território, 41 quilômetros de comprimento e 10 quilômetros de largura, tem uma alta densidade populacional. Segundo a ONU, pelo menos 80% dos que vivem ali dependem de ajuda internacional, como fornecimento de alimentos. Além das restrições sobre o espaço aéreo e marítimo, Israel também controla as mercadorias que entram no território, o abastecimento de água, energia, combustível e comida.
“O fornecimento desses serviços acaba se tornando um instrumento de pressão política. É o que está acontecendo agora, de se cortar o fornecimento de água e energia elétrica, algo proibido no direito internacional. Tanto as convenções de Genebra quanto o estatuto de Roma proíbem utilizar esse tipo de ferramenta como uma maneira de punir a população civil. Isso é uma violação do direito humanitário e das leis da guerra. É muito significativo também dessa dependência extrema que os palestinos têm do Estado de Israel”, explicou Maurício Santoro
Agência Brasil